Exposição Memória Biocultural
E aiii, seres humanos, beleza?

Dito isso, vamos começar falando um pouco sobre a exposição. Com curadoria de Ruth Albernaz, ela foi inaugurada em dezembro de 2024 e encerrou em julho de 2025. A mostra está dividida em três núcleos principais: Memória Biocultural, Manifestos Sociais e Emergência Climática. Os artistas que compõem a exposição fazem parte da história do museu, incluindo a mais recente (incorporada em 2024) da artista indígena Kaya Agari.
Como é uma exposição comemorativa pelos 50 anos do MACP e 54 anos da UFMT, a expografia foi pensada de forma a homenagear a universidade, com as paredes dispostas formando o símbolo da UFMT.
Acredito que esse breve resumo já seja suficiente para dar uma ideia geral do que se trata a exposição. No geral, as obras são lindas, e os artistas selecionados, como Humberto Espíndola, Adir Sodré, Miguel Penha Chiquitano, Clóvis Irigaray, entre outros, não deixam nada a desejar. Cada núcleo, com uma narrativa própria, é uma proposta ousada, mas carrega bem a essência da curadoria. Ruth conduz bem esse diálogo com a natureza: em sua "memória biocultural", percebe-se que ela busca mostrar as relações culturais com a natureza.
No primeiro núcleo, que recebe o mesmo nome da exposição (Memória Biocultural), somos recebidos por Miguel Penha, que carrega fortemente a representação de paisagens em suas obras, mas ele não abandona aspectos culturais, como em seu quadro O Espírito da Floresta. Dentro de uma paisagem inconfundível, surge um ser mitológico que, para alguns, pode ser entendido como uma entidade que habita a floresta. Para outros, uma manifestação consciente da própria natureza. Independentemente da narrativa escolhida, é impossível não se encantar com o nível de realismo de sua obra. Quase é possível ouvir o som das águas correndo e das árvores balançando, formando uma harmonia musical que só a natureza pode proporcionar.
Mas, claramente, uma narrativa tão profunda não seria colocada totalmente na responsabilidade de Miguel. Compondo esse cenário junto a ele, alguns passos à frente, nos deparamos com Vitória Basaia (Barriga do Pantanal), Ilton Silva (Maternidade) e Ruth Albernaz (Vôo Xamânico e O Tempo é Minha Matéria). O que essas obras têm em comum? A presença da figura feminina. E o que há de mais natural do que falar da figura que pode trazer vida ao mundo? Fica claramente subentendida a ideia do poder feminino: o poder de gerar, nutrir e garantir o futuro que possa preservar essa memória.
Nesses passos, nos encontramos em Manifestos Sociais, e aqui é onde o linguajar político se destaca. São manifestações claras (e algumas nem tanto) que forçam o visitante a refletir sobre a cena. Talvez a obra não esteja manifestando diretamente, mas você, ao se deparar com ela, com certeza vai refletir. Temos, nesse espaço, o quadro Greve no RU, de Dalva de Barros, que representa um ato estudantil, talvez algo fácil de compreender. Mas logo ao lado temos também Ônibus no Pedregal, de Adir Sodré, que retrata uma cena muito comum aos trabalhadores brasileiros: ônibus lotado, pessoas sendo espremidas e rostos cansados de um dia cheio.
Adir não para sua ousadia nesse quadro. Em outro, chamado Ceias Brasileiras, ele brinca com dois cenários: um ambientado em Brasília, onde vemos figuras fardadas, com ternos e sorrisos horripilantes em volta de uma mesa farta, e, logo ao lado, vemos “a mesma cena” em outro contexto. Dessa vez, estamos em Mato Grosso (ao que parece), com trabalhadores e crianças igualmente em volta de uma mesa. Porém, os rostos estão cansados, e não há sorrisos. A mesa está posta apenas com ossos e a bandeira do estado no meio, algo que representa perfeitamente a desigualdade social que existe no Brasil.

É neste núcleo também que encontramos a única artista estrangeira da exposição: Maty Vitart. E aqui vale destacar um aspecto curioso sobre as fichas. A curadoria optou por colocar não apenas informações sobre as obras (nome da obra, ano, nome do artista, dimensão e técnica). Nesta exposição, também conseguimos ter acesso ao ano de nascimento do artista e, quando aplicável, ao ano de falecimento, além do local de nascimento e de morte. Essa informação não estava presente em todos, talvez por não ter sido encontrada durante as pesquisas, mas isso não foi explicado, apenas deixaram em branco nos casos em que os dados não foram localizados.
E, por fim, o último núcleo: Emergências Climáticas (talvez o menor da exposição). Neste núcleo, os quadros subvertem o que vimos em Memória Biocultural. Se antes víamos uma relação harmônica entre a humanidade e a natureza, aqui veremos os resultados da exploração inconsequente dos recursos naturais. Os malefícios do manuseio sem os devidos cuidados com o meio ambiente se fazem evidentes.
Temos obras que debatem essa perspectiva de forma mais poética, como Correntões, de Sebastião Silva, que pinta correntes grandes com carvão. Sua obra representa a prática dos “correntões” no desmatamento. Há também a linguagem subjetiva do uso do carvão para realizá-la, já que, após a retirada das árvores, é comum utilizar queimadas controladas para “limpar” a área, restando apenas carvão.

Durante o tour, terminamos a visita no poema visual de Caio Ribeiro, que permite a cada um interpretar da forma como achar mais apropriado.
Por fim, devo dizer que, sim, a exposição é linda e apresenta artistas de altíssima qualidade. Infelizmente, este texto será publicado apenas após o encerramento da mostra. Mas, para quem tiver interesse, é possível acessar o catálogo (do qual faço parte da equipe de diagramação).
Vivam a experiência de estar em um museu em toda a sua potência. Visitem o Museu de Arte e de Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso. É realmente uma vivência incrível em todas as suas particularidades.
OBS - Todas as fotos referentes a obras, foram retiradas direto do catálogo digital da exposição apenas com a intenção de ilutrar durante o texto, aos interessados pode consultar autoria e mais informações direto no site do MACP :
https://ufmt.br/unidade/macp/pagina/publicacoes/8651#top_page
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